por: Frederico Tátá Regala
As minas romanas da Serra de Santa Justa foram durante muito tempo utilizadas como vasadouro dos mais variados lixos. No seu interior corre um curso de água que, passando pelos detritos, surge no exterior sob a forma de uma nascente, que é usada para regas agrícolas. A A.E.S.D.A. Topografou o Fojo das Pombas e estudou o seu circuito hídrico, com o principal intuito de prevenir situações de perigo ao nível da saúde pública e também para dar os primeiros passos numa perspectiva de defesa e preservação do complexo mineiro.
Os problemas ambientais relacionados com as águas subterrâneas têm vindo a merecer uma atenção mais aprofundada por parte das associações, autarquias e até do grande público. São conhecidos os efeitos nefastos da poluição nos lençóis freáticos e cursos de água subterrâneos, mas abundam persistentemente os casos de despejo de lixos, entulho e substâncias tóxicas para o interior de grutas e minas. Na Serra de Santa Justa em Valongo, sucedem precisamente as referidas situações.
A existência de um complexo sistema mineiro inactivo, com diversas comunicações para a superfície (fojos) tem, desde há longo tempo, sido o “lugar ideal” para fazer desaparecer quantidades imensas de lixo e entulho. Para quem visitava o interior da mina o espectáculo era sem dúvida revoltante: pneus, plásticos, latas de tinta, cadáveres de animais em decomposição e até a carcaça de um automóvel, faziam parte do fabuloso conteúdo das galerias, enviado através dos poços. Para agravar a situação, um curso de água estigial banhava todos estes elementos, percorrendo a mina, até finalmente aparecer no exterior, pronta a ser consumida pela população. A equipa da A.E.S.D.A. recolheu informações diversas que levaram à conclusão de que esta água é conduzida frequentemente para regas agrícolas.
Aspectos gerais
A serra de Santa Justa, situada no concelho de Valongo, distrito do Porto, é constituída por ardósias e possui uma cobertura vegetal rica em espécies herbáceas e marcada pela presença maioritária do Pinheiro bravo Pinus pinaster. Em altitude atinge a cota máxima de 374 metros.
O Fojo das Pombas é provavelmente o mais extenso complexo mineiro da região, tendo o auge da sua exploração sucedido durante a época romana, para a extracção de ouro. As galerias atingem níveis profundos, existindo poços que que atingem aproximadamente 70 metros abaixo da superfície até ao nível da água. Algumas galerias encontram-se totalmente inundadas, desconhecendo-se os seus limites. Só as galerias secas atingem cerca de mil metros de extensão. Comunicam 9 poços com o exterior, tendo ainda sido identificados mais 3 entulhados. Existe uma monumental fenda cuja abertura possui 40 por 8 metros, proporcionando um local privilegiado para a proliferação de plantas lucífugas e hidróphilas tais como, musgos, hepáticas e fetos, entre outras, das quais existem espécies consideradas raras pelos botânicos e até endémicas dos fojos da região.
Sob o ponto de vista faunístico, observa-se uma manifesta variedade de formas, especialmente invertebrados, sobre os quais, apesar das nossas pesquisas bibliográficas, não tomámos conhecimento de estudos de vulto, pelo que pensamos haver muito trabalho a realizar nesta vertente do conhecimento dos fojos. A A.E.S.D.A. efectuou numerosas recolhas para posterior investigação, que se encontram conservadas e arquivadas em Torres Vedras na sede da Associação. A evidente riqueza biológica da mina levou-nos a fundamentar ainda mais a importância da preservação deste património no seu conjunto. Também o aspecto arqueológico consubstancia o valor patrimonial dos fojos e da Serra.
A extracção de minério durou vários séculos de uma das mais importantes fases germinais da civilização: A época romana, e atribui-se, segundo alguns autores, a tempos ainda mais remotos. A envergadura dos trabalhos de mineração realizados neste local, implicaram o uso de equipamentos e métodos cujo estudo pode revelar importantes dados para a compreensão da tecnologia de minas romana. O desentulhamento de um poço por Adalberto Dias de Carvalho do Serviço de Fomento Mineiro em 1961, revelou diversas peças cerâmicas e metálicas, assim como elementos constituintes das entivações de madeira, que constituem espólio de elevado interesse arqueológico. Seguramente, muito mais existe para exumar em toda a área, porém, se os despejos continuarem alguns poços ficarão de tal modo bloqueados que poderão inviabilizar as intervenções arqueológicas.
A investigação
Durante uma primeira fase, os elementos da A.E.S.D.A., levaram a cabo uma exploração exaustiva de todos os poços, salas e galerias, da qual resultou a descoberta de mais de 600 metros de túneis, completamente desconhecidos até então pelos organismos que têm desenvolvido actividades no local. Existe, no entanto, uma referência escrita dos anos 30 que descreve esses espaços, pela mão de um padre que teria aproveitado um período de invulgar seca para entrar pela galeria de escoamento das águas, penetrando em lugares só acessíveis em condições normais, através do uso de equipamentos de mergulho ou de espeleologia. Este factor imprevisto veio aumentar substancialmente o trabalho necessário para a conclusão do projecto. Durante a exploração observou-se a existência de galerias completamente inundadas cujos limites desconhecemos por falta de equipamento de mergulho adequado às singularidades da progressão. Talvez a mais importante descoberta efectuada nesta primeira fase, foi a existência de uma numerosa colónia de morcegos, com centenas de indivíduos da espécie Miniopterus Schreibersii, imediatamente comunicada ao Prof. Jorge Palmeirim da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, responsável pelo “Plano Nacional de a Conservação dos Morcegos Cavernícolas”, O qual se deslocou posteriormente ao local, Juntamente com a Prof. Luísa Rodrigues, para apreciação da colónia.
A segunda fase compreendeu o levantamento fotográfico dos pontos mais relevantes deste espaço subterrâneo, com o uso de gerador, projectores e rolos especiais para iluminação a Tungsténio. Para este efeito, foram utilizados 1000 watts de iluminação, 500 metros de cabos eléctricos e o uso de intercomunicadores para sincronização com os trabalhos à superfície, relacionados com o gerador e o envio de material da superfície para as galerias, através dos poços. Foi igualmente elaborada uma reportagem em vídeo no sistema HI 8 para ilustrar convenientemente os trabalhos e para uma visualização eficaz do monumental sistema de espaços. Todo este material de recolha foi concebido, tendo em vista a apresentação em colóquios, congressos e sessões de esclarecimento público, para sublinhar a importância do Fojo das Pombas junto da comunidade espeleológica, público e autarquias ligadas à região.
A terceira fase revelou-se a mais trabalhosa e consistiu no levantamento topográfico de todo o sistema, desenhado à escala 1/250, com planta geral, alçado rebatido e cortes. Incluíram-se observações sobre aspectos morfológicos mais importantes. Das galerias inundadas, a única que se encontra topografada é o esgoto ou túnel de drenagem da mina, o que permitiu verificar as suspeitas de que a água que percorre a mina desemboca no exterior junto à Rua da Rosa em Valongo. Na execução da topografia foi utilizado equipamento específico, recorrendo-se a um Teodolito (T0) da Wild, a bússolas e a clisímetro. O detalhe e exactidão que se atribuiu a este trabalho tornou-o significativamente moroso e dispendioso. Os desenhos que enviamos em anexo neste relatório, não são a versão final, estando actualmente a ser concluídos para que adquiram os moldes definitivos para efeitos de publicação. Através da topografia, está a ser estudado o circuito hídrico para que possamos avançar com mais conclusões quanto ao destino das águas inquinadas pelos detritos lançados da superfície.
Numa última fase, foram feitas recolhas de amostras de água na nascente da Rua da Rosa, que curiosamente não mostraram índices de poluição apreciáveis ao nível bacteriológico. Aguardamos os resultados das análises químicas a efectuar por alunos da Faculdade de ciências e só então, dependendo dos resultados, poderemos formar um plano de prevenção ou não quanto à utilização da água para fins agrícolas. Caso estas análises de carácter informal em termos legais, mas igualmente rigorosas, apresentem valores que suscitem precauções, efectuar-se-ão análises em laboratório oficial, para que não surjam quaisquer dúvidas a entidades alheias.
A execução deste trabalho permitiu-nos estabelecer contactos com a Câmara Municipal de Valongo, com o propósito de se tomarem medidas para a preservação dos fojos, tendo sido apresentada a aliciante de transformar as minas num pólo de atracção turística, pois julgamos ser a única forma de puxar as atenções autárquicas. Com base na topografia está a ser estudada a viabilização de um percurso para o público, que não afecte a população de morcegos e outros biótopos, nem as possíveis áreas arqueológicas, tendo em conta a integridade histórica e estética da cavidade. Salienta-se o apoio que nos foi prestado pelo G.E.V.-Grupo Espeleológico de Valongo, na localização de algumas galerias, fornecimento de dados e bibliografia sobre os fojos e a Serra de Santa Justa.
Durante o tempo de execução deste projecto, o G.E.V. efectuou um esplêndido trabalho de remoção dos entulhos no interior da mina e colocou grades de eucalipto à entrada dos poços para dificultar os despejos. Discutimos com os elementos do G.E.V. questões relacionadas com a preservação e estudo das minas no seu conjunto e está em estudo neste momento uma cooperação entre estas associações para próximas em Valongo.
A Preservação
A realização deste projecto proporcionou uma grande quantidade de informações e documentos que podem vir a ser utilizados para a consciencialização sobre a importância do Fojo das Pombas em múltiplos aspectos.
As recolhas de imagens em vídeo e fotografia demonstram a magnificência da mina e trazem à luz o deplorável espectáculo que são as zonas com despejos. Muitas destas imagens estiveram já expostas ao público na galeria municipal de Torres Vedras e nas Caldas da Rainha.
Durante os trabalhos, encetaram-se contactos proveitosos com o G.E.V., permitindo um esforço conjunto muito mais eficaz, uma vez que são comuns os objectivos de ambas as entidades no que se refere aos fojos.
Os contactos com a câmara Municipal de Valongo levaram a uma tomada de consciência da importância desse património por parte dos autarcas locais, germinando as ideias de preservação e aproveitamento turístico dos fojos e toda a área circundante. Desta forma, ficaram em aberto diversas novas iniciativas, de todo positivas para a área natural de Santa Justa.
Em suma, consideramos sem dúvida positivos os resultados obtidos, esperando que esta publicação seja um meio para alertar a todos a necessidade de preservar o espaço natural.
Estas minas foram pertença da família ” del Dios?
Obrigada
Não, são de Deus mesmo