A Fundação da AESDA e os Primeiros Passos
Antes da existência da AESDA, em finais dos anos oitenta e início da década de noventa, os elementos que a viriam a constituir promoviam já actividades de espeleologia, então sob a égide do Espeleo Clube de Torres Vedras (ECTV). Entre os elementos mais activos deste Clube acabariam por surgir dissensões de opinião sobre a importância ou primazia de projectos técnicos e científicos face às acções de cariz recreativo e cultural num sentido mais amplo. Estas questões acabaram por se tornar irresolúveis, o que levou um grupo de espeleólogos a destacar-se e, acarinhando ideias e objectivos espeleológicos bem definidos, acabaria por conseguir reunir as condições necessárias para a exequibilidade dos projectos preconizados, que poderiam realizar-se no quadro de um novo espaço associativo subordinado à actividade espeleológica. A AESDA foi oficialmente fundada no dia 11 de Setembro de 1992, formando-se, assim, a entidade jurídica que viria a possibilitar a realização dos trabalhos almejados (DR – III série, n.º 255, de 04/11/1992).
Os anos iniciais foram marcados por grandes dificuldades, mas, também, por importantes descobertas. Sem uma sede oficial nem equipamento colectivo, a AESDA era mantida apenas com os recursos dos associados. O facto de ter surgido esta nova associação de espeleologia em Torres Vedras, onde já se encontrava solidamente implantado outro organismo do mesmo tipo, dificultava a obtenção dos necessários apoios da parte dos poderes locais e de outros potenciais financiadores. No entanto, rapidamente se deram importantes aquisições humanas que vieram reforçar o contingente associativo e a capacidade de trabalho. Os resultados não se fizeram esperar. Nesta fase inicial e na esteira de trabalhos iniciados pelos fundadores da AESDA, quando ainda se encontravam afectos ao ECTV, realizaram-se descobertas que, volvidas duas décadas, continuam a trazer surpresas e a fornecer dados reconhecidamente interessantes do ponto de vista científico.
As Recolhas Bioespeleológicas
Apesar da reduzida idade dos associados envolvidos nos trabalhos e da carência de habilitações académicas específicas, as pesquisas autodidácticas e os contactos oportunamente estabelecidos com investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e do então Centro de Zoologia do Instituto de Investigação Científica Tropical (CZ-IICT), sobretudo com os Doutores Travassos Dias† e Luis Mendes, permitiram orientar as primeiras pesquisas. Logo nos alvores da AESDA fizeram-se interessantes recolhas bioespeleológicas em diversas grutas, maioritariamente da Estremadura. Há que referir, nesta primeira fase, a recolha de ectoparasitas dos morcegos (Regala & Mergulho 1995) e de diversos outros invertebrados, alguns dos quais só viriam a ter eco vários anos mais tarde. Os associados Rui Mergulho e Frederico Regala a proceder à recolha de ectoparasitas dos morcegos para estudo, em inícios da década de 90 (arquivo fotográfico da AESDA – PP).
A descoberta de um tisanuro (insecto), então identificado como pertencente à espécie Coletinia mendesi Wygodzinsky, 1980, mereceu particular atenção. Proveniente da Gruta de Colaride (Cacém), foi entregue para estudo a Luis Mendes, no CZ – IICT. Trata-se de uma espécie que, até então, tinha sido referenciada apenas no Algarve e em Córdoba (Mendes 1996). Mais tarde, no âmbito de actividades da AESDA, novos exemplares foram recolhidos nas Grutas de Ibn Ammar (Lagoa), que não chegariam a ser estudados mantendo-se a convicção de que se trataria da mesma espécie. Caso curioso, e graças à permanente evolução da ciência, os exemplares então recolhidos em Colaride encontram-se actualmente em revisão taxonómica na sequência da descoberta recente de uma espécie nova para a ciência, no Algarve (Squamatinia algharbica Reboleira & Mendes, 2012), com base em exemplares recolhidos mais recentemente por uma bióloga externa à AESDA, Sofia Reboleira, das Universidades de Aveiro e de La Laguna (Canárias), em trabalhos que, apesar de não estarem relacionados com a AESDA, contaram com o apoio de um dos signatários (FTR) no terreno (Reboleira et al. 2012).
Outro caso particularmente interessante foi um conjunto de coleópteros recolhidos em 1991 no âmbito de actividades da AESDA (embora anteriormente à sua fundação oficial), por dois dos signatários (FTR e RM), na Gruta do Almonda, em Torres Novas. Alguns exemplares foram entregues a Artur Serrano, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), mas viriam a ser estudados no âmbito da dissertação de mestrado da já referida bióloga (Reboleira 2007; Reboleira et al. 2009), à qual foram entregues mais exemplares recolhidos na mesma altura mas que tinham permanecido depositados na Colecção Bioespeleológica da AESDA. Do estudo destes exemplares resultou a descoberta de uma espécie nova para a ciência, que recebeu a designação Trechus lunai Reboleira & Serrano, 2009. Até à conclusão do estudo, apenas foram referenciados quatro indivíduos desta espécie, dos quais dois tinham sido recolhidos pela AESDA, incluindo aquele que foi utilizado como holótipo para a descrição da espécie (Reboleira et al. 2009).
Holótipo de Trechus lunai recolhido no âmbito de actividade bioespeleológica da AESDA, em 1991, e estudado cerca de 15 anos mais tarde por investigadores externos à AESDA (foto adaptada de Reboleira et al. 2009). Atendendo a que, na AESDA, os principais promotores das recolhas biológicas acabariam por se especializar em outras matérias, a biologia acabou por ficar remetida para plano secundário nas actividades, mas o facto é que, face ao historial, os associados estão sensibilizados para a matéria e não será de admirar que novas descobertas deste tipo possam ainda vir a lume.
As Descobertas Arqueológicas
Os recorrentes trabalhos de prospecção no terreno, tendo em vista a descoberta de novas cavidades, têm dado provas de produtividade. São diversas as grutas que a AESDA referenciou, que eram completamente desconhecidas, e outras que estavam votadas ao esquecimento. De entre estas, algumas revelaram-se interessantes do ponto de vista arqueológico. O caso mais notável é o Algar do Bom Santo, na Serra de Montejunto (Alenquer). Descoberta e desobstruída pela AESDA em 1993, esta cavidade revelou-se uma importante e significativa jazida arqueológica, contendo uma vasta necrópole pré-histórica, mais concretamente do Neolítico (Regala 1995).
Trata-se de uma das maiores grutas conhecidas no maciço calcário de Montejunto e no seu interior foram referenciados testemunhos arqueológicos ao longo de diversas salas e galerias, atingindo aproximadamente 285 m2 de utilização como necrópole, com os esqueletos de cerca de 120 indivíduos contabilizados apenas ao nível da superfície, sendo provável a presença de muitos mais (Duarte 1998a; 1998b). Para além dos testemunhos osteológicos, diversos são os objectos que integram o notável conjunto arqueológico funerário, incluindo recipientes de cerâmica, artefactos de sílex, de pedra polida e de osso, conchas perfuradas e contas de adorno. A utilização da gruta como necrópole integra-se cronologicamente no segundo e terceiro quartéis do IV milénio antes de Cristo, de acordo com as datações de radiocarbono obtidas (Duarte op. cit.).
A descoberta teve de imediato forte impacte no meio científico, levando a que o IPPAR tivesse mobilizado rapidamente os meios necessários para a protecção e escavação da jazida. Assim, foi prontamente construída uma sólida estrutura para a protecção da entrada e promovida uma primeira e longa campanha arqueológica, logo em 1994, que decorreu de Junho a Novembro.
Os ecos nos meios de comunicação social também não tardaram, tendo na altura saído diversas notícias nos jornais nacionais e na televisão, sendo de realçar a realização e emissão de um documentário exclusivamente dedicado à descoberta e investigação no Algar do Bom Santo, intitulado “Terra Humana”, da autoria de Paulo Costa, sob a égide da RTP, em 1995.
A prestação dos associados da AESDA envolvidos na descoberta e primeiras explorações teve um papel decisivo na conservação dos testemunhos arqueológicos que pejavam as salas e galerias da gruta. Trata-se de um dos raros casos, a nível internacional, em que as incursões foram suficientemente cuidadosas para manter todo o espólio preservado e intacto, permanecendo os materiais no preciso local em que se encontravam originalmente. Para além da descoberta e dos cuidados tidos para com a preservação da jazida, a AESDA ainda participou efectivamente nas três campanhas arqueológicas realizadas entre 1994 e 1997, promovidas inicialmente pelo Instituto Português do Património Arqueológico (IPPAR) e depois pelo Instituto Português de Arqueologia (IPA), com subsídios destas e de outras entidades. Essa colaboração incluiu trabalhos de escavação e registo (desenho e fotografia), assim como o levantamento exaustivo topográfico da cavidade, o qual ficou inteiramente a cargo de associados da AESDA.
Apesar dos esforços em manter a jazida segura, o facto é que, lamentavelmente, em Novembro do ano 2000 deparou-se com a porta da gruta arrombada e parte do espólio arqueológico de superfície do Algar do Bom Santo tinha sido furtado. Foi uma perda irremediável para a ciência e um rude golpe na vontade dos associados da AESDA de darem a conhecer as suas descobertas e de as entregarem à responsabilidade das entidades de tutela. Em Novembro de 2007, aquando de uma visita ao local por parte de uma equipa de arqueologia interessada em promover novos trabalhos de investigação, verificou-se que tinha ocorrido novo arrombamento, encontrando-se o portão de aço novamente aberto, mas sem que se detectassem mais furtos ou sinais de vandalismo. Com o conhecimento do IPA, a AESDA promoveu então o encerramento do portão, soldando-o ao respectivo caixilho.
O exemplo do Algar do Bom Santo é paradigmático da relevância e da utilidade voluntariosa de uma associação que, para além de ter descoberto o sítio, tem-se mantido sempre ligada aos trabalhos de investigação e registo, assim como da sua protecção e vigilância, conseguindo por vezes agir de forma mais prática e diligente que os serviços públicos responsáveis, mas sempre em articulação com estes.
Um outro trabalho arqueológico de menor expressão merece também referência uma vez que foi realizado sob a exclusiva tutela da Associação. Trata-se dos objectos conotáveis com funções de adorno descobertos no ano 2000 durante trabalhos de desobstrução no sistema cársico da Maceira (Torres Vedras/Lourinhã). Numa pequena lapa que se pretendia verificar se comunicava com a principal rede cársica de galerias, procedeu-se à remoção de sedimentos, que pôs a descoberto alguns fragmentos de ossos humanos e dois dentes caninos de javali afeiçoados e perfurados. Os trabalhos de desobstrução foram suspensos para salvaguarda de outros eventuais testemunhos arqueológicos contidos no depósito e foi promovido o estudo dos artefactos expostos. Embora a exiguidade dos materiais não tivesse permitido extrair muita informação, ficou registada mais uma jazida enquadrável em contexto de necrópole da pré-história recente (Regala & Luis 2007), para além de se ter então produzido uma compilação analítica dos conhecimentos de arqueologia relativos às grutas da região (Regala & Gomes 2001).
Paleontologia - Um Leopardo em Porto de Mós
Um dos mais interessantes trabalhos promovidos pela AESDA relaciona-se com a identificação de um exemplar de grande carnívoro extinto do território europeu desde tempos pré-históricos. Trata-se de um conjunto de ossos que jaziam numa galeria profunda (perto de 100m de profundidade) do Algar da Manga Larga, em Porto de Mós.
A ossada era já conhecida pelos anteriores exploradores da gruta, de outras associações espeleológicas, desde a década de 70, e foi referida por C. Thomas (1985: 98-99) como correspondendo ao esqueleto de um cão. Em Janeiro de 2003 a AESDA promoveu uma actividade de reconhecimento do referido Algar (equipa composta por Rui Luis, Sisenando Simões, Valter Luis e Bruno Oliveira), aproveitando para realizar o registo fotográfico dos ossos.
Analisadas as imagens então obtidas, chegou-se à conclusão de que não se tratava de um cão mas sim de um grande felídeo de dimensões superiores às do lince, reportando o exemplar em apreço para espécie extinta na Europa, presumivelmente leopardo, Panthera pardus (L. 1758). Em nova incursão ao local foram obtidos elementos biométricos que confirmaram a importância da descoberta e procedeu-se à recolha e salvaguarda dos testemunhos paleontológicos. Foi depois promovido o seu estudo, numa colaboração estabelecida entre um dos signatários (FTR) e um paleontólogo externo à Associação, o Doutor João Luís Cardoso (Cardoso & Regala 2006; Regala & Cardoso 2007).
Os trabalhos de recolha, registo fotográfico e topografia de detalhe da localização dos testemunhos paleontológicos, foram realizados sob a égide da AESDA, assim como o desenho científico das peças e parte da investigação realizada. Foram ainda promovidas uma série de actividades exploratórias relacionadas com a interpretação da proveniência destes e do modo como terão chegado ao local em que foram encontrados.
A descoberta tem merecido o interesse por parte dos órgãos de comunicação social, sendo noticiada em jornais, na National Geographic Portugal (Novembro 2011) e na televisão (reportagem exibida pela TVI, disponível online em: http://www.tvi24.iol.pt/videos/video/13137705/1475). O interesse provocado por esta investigação motivou a realização de uma exposição exclusivamente subordinada ao tema, a convite da Câmara Municipal de Porto de Mós, designada “Fóssil do leopardo fêmea descoberto no Planalto de Santo António – Porto de Mós”, que esteve patente na referida cidade de Outubro de 2009 a Janeiro de 2010.
Os estudos tiveram ampla divulgação no meio científico, constituindo o conteúdo comunicações e palestras em eventos, inclusivamente no 14º Congresso Internacional de Espeleologia, em Atenas-Kalamos (2005). Após a publicação no Trogle e na conceituada revista da especialidade, Comunicações Geológicas, os ossos de leopardo foram entregues ao histórico Museu Geológico, actualmente do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, em Lisboa, onde se encontram em exposição e disponíveis para a investigação científica.
Exploração Subterrânea – As Conquistas Mais Notáveis
É na vertente da pesquisa e exploração subterrâneas que a AESDA está efectivamente mais preparada para levar a cabo trabalhos sem a necessidade de recorrer a entidades ou investigadores externos, não se colocando no entanto de parte as frutuosas parcerias e colaborações. São já diversas as descobertas realizadas em prospecção e desobstrução de grutas e algares, assim como da exploração em cavidades previamente referenciadas por outras entidades. Seria demasiado fastidioso referir todas as descobertas realizadas, fazendo-se portanto referência apenas às que presentemente consideramos de maior relevância, no presente artigo.
Na região de Torres Vedras e concelhos limítrofes, realizaram-se inventários de cavidades e numerosos levantamentos topográficos, alguns já publicados e outros a aguardar publicação. Situação interessante foi a do complexo cársico da Maceira (Torres Vedras e Lourinhã), onde se conhecia um conjunto de cavidades calcárias tidas como “pequenas lapas”. Na sequência de uma formação de topografia subterrânea ministrada pela AESDA, em 1999, percebeu-se que as várias entradas se anastomosavam numa ampla rede de galerias subterrâneas tornando-se intercomunicantes. Realizou-se então o levantamento topográfico exaustivo, com base no qual foi possível detectar novos locais com potencial espeleológico e descobrir diversas condutas obstruídas que foram desbloqueadas e pela primeira vez exploradas (Regala & Luis 2002). O interesse do trabalho resultante, que revelou a existência de aproximadamente 980 metros de galerias, justificou a apresentação de uma comunicação no 13º Congresso Internacional de Espeleologia em Brasília (2001). Está actualmente a ser desenvolvido trabalho semelhante, já em fase de conclusão, no maior complexo cársico de condutas subterrâneas conhecido no Sul de Portugal, nas chamadas Grutas de Ibn Ammar, em Lagoa (Algarve). Mais para norte, no Maciço de Sicó, numa actividade conjunta da AESDA com o Núcleo de Espeleologia de Condeixa (NEC) e o Grupo Protecção Sicó (GPS), em Junho de 2005, foi possível referenciar e desobstruir uma passagem no designado Abismo de Sicó, que viria a permitir passar dos 100 metros de profundidade e alcançar o maior desnível conhecido em gruta no referido Maciço, os -107m (NEC & GPS 2007).
Também no campo das parcerias são de assinalar as explorações subterrâneas e subaquáticas recentemente desenvolvidas nos algares do Alandroal (Alto Alentejo), sobretudo no Algar das Morenas, que pela primeira vez foi percorrido até à sua máxima profundidade. Trata-se de um importante reservatório subterrâneo natural de água associado ao aquífero Estremoz-Cano, que abastece cinco concelhos – Sousel, Estremoz, Borba, Vila Viçosa e Alandroal. O Algar, um grande poço vertical de 78 metros de profundidade, que se encontra inundado até cerca de 47m a partir do fundo (medida de Março 2012), embora com grande amplitude na variação dos níveis de água, em função da pluviosidade e dos volumes de captação. Foi alvo de explorações anteriores, em particular os mergulhos realizados em Agosto de 1983 por J. Michel e J.-P. Thiry do Spéleo-Club de Dijon, que não teriam logrado atingir o fundo da cavidade, segundo relatório por estes elaborado e entregue à Câmara Municipal do Alandroal. Uma colaboração entre a AESDA e o grupo de exploração subaquática XploraSub permitiu retomar a exploração e registo desta cavidade desde Agosto de 2008, encontrando-se os trabalhos actualmente em fase de processamento dos dados para publicação.
No que toca a grandes profundidades em sistema cársico, a mais relevante conquista da AESDA é recente. Trata-se da mais profunda gruta presentemente conhecida em Portugal, o Algar PaLopes, assim designado em referência ao associado da AESDA que o relocalizou, Paulo Lopes, em prospecção promovida pela AESDA, no dia 11 de Dezembro de 2010. O potencial desta cavidade, situada no Planalto de Santo António, permaneceu ignorado até que os elementos da AESDA tomaram contacto com a mesma e se aperceberam do seu interesse efectivo. Numa sucessão de actividades exploratórias realizadas sob a égide exclusiva desta Associação, foram atingidas profundidades nunca antes alcançadas em meio cársico português. O Algar que anteriormente detinha o recorde de maior profundidade era o Algar dos Alecrineiros, também na mesma área, com -220 metros, descoberto e explorado em 2008 por uma equipa francesa (Société Spéléo Archéologique de Caussade). Ainda em exploração, o Algar Palopes permitiu já descer até aos -268 metros. Neste caso, a grande expectativa da AESDA não é a de bater recordes mas sim de alcançar o carso profundo do Maciço Estremenho, com todo o manancial de informação que este tenha para oferecer. Mais uma vez, esta descoberta foi alvo de interesse mediático, com notícias na imprensa nacional e reportagem na SIC (Jornal da Noite), emitida a 05 de Junho de 2011 (Castelo 2011).
Mas a actuação da AESDA não se tem restringido aos ambientes cársicos e cavidades de génese natural, também têm sido realizadas pesquisas em espaços subterrâneos originados por actividade antrópica, como sejam minas ou criptas. As minas auríferas romanas de Valongo são também um bom exemplo de trabalho realizado pela AESDA logo desde os tempos da fundação. As actividades exploratórias permitiram descobrir mais de 600 metros de galerias desconhecidas ou que em parte se consideravam lendárias. O levantamento topográfico do complexo revelou diversas galerias, por vezes de dimensões monumentais e poços profundos, com verticais directas de cerca de 70 metros (Regala 1998). No que toca à arqueologia, foi descoberta no interior da mina uma lucerna romana de tipo Dressel 20/Ponsich IIb2, decorada com a figura de uma Vitória alada, atribuível ao século I, cujo estudo se encontra devidamente publicado (Maricato 2001).
A Publicação dos Trabalhos
A publicação dos trabalhos realizados no âmbito da AESDA tem sido desde o início um objectivo de base, pelo qual se tem pugnado com veemência, face à apatia que a este nível se verifica no panorama espeleológico português das últimas duas décadas, período de tempo em que são muito pontuais as publicações da especialidade. A este propósito, o ano de 1995 teve particular significado na história da AESDA, uma vez que corresponde à data de edição do primeiro número do Trogle, o tão ambicionado meio de edição e divulgação das pesquisas levadas a cabo pelos associados, graças à oportuna solicitude e apoio de uma empresa torreense, a Sogratol – Sociedade Gráfica Torreense.
Na realidade, a reduzida formação académica e inexperiência de então dos jovens autores não os fez recuar face ao imperativo da publicação dos trabalhos, para que não se tornassem infrutíferos os esforços despendidos. A seguir a este primeiro exemplar foram sendo publicados outros, muito espaçados no tempo atendendo a que os trabalhos se desenvolvem à medida das disponibilidades voluntariosas e dos meios. De notar que a Espeleologia é um tema desconhecido de muitos e com pouco impacte ou aplicação para as grandes massas, o que torna menos fácil a obtenção de apoios. De qualquer modo, foram já editados cinco números e está em preparação o sexto, notando-se uma evolução na qualidade dos resultados e da respectiva apresentação, fruto da experiência que paulatinamente se vai consolidando.
Nestas edições, a AESDA fez questão de não se encerrar na sua concha e abrir a oportunidade a outras entidades congéneres e a investigadores externos de publicar no Trogle trabalhos relacionados com o património subterrâneo (vide Grupo Protecção Sicó & Núcleo de Espeleologia de Condeixa 2007; Mendes & Matos 2002; Rodrigues et al. 2001).
Assim, o boletim foi sendo prestigiado com participações externas à Associação e acabaria por funcionar como a única publicação portuguesa de espeleologia aberta à globalidade da comunidade espeleológica ao nível nacional. O quarto e quinto números da revista foram editados integralmente em modo bilingue (português e Inglês) e distribuídos além-fronteiras, por diversos países, o que converteu o Trogle no principal vector em suporte físico de divulgação da espeleologia portuguesa ao nível internacional, actualmente sem qualquer paralelo no seu género.
Conclusões e Breve Nota Sociológica
Como foi anteriormente referido, a AESDA tem funcionado como palco de interacção e relações humanas, num contexto de grande heterogeneidade cultural e social aos mais diversos níveis. No entanto, com finalidades diversas mas muito concretas, a Associação é um pólo agregador de vontades que, no que toca ao meio científico, tem a grande virtude de proporcionar a qualquer interessado, independentemente do seu currículo e formação, aproximar-se dos trabalhos e neles colaborar activamente, tomando contacto com os aspectos técnicos e metodológicos inerentes.
Olhando para trás, para estas duas décadas de associativismo na AESDA, é possível tomar o pulso à influência que esta entidade teve na vida de alguns dos associados e pessoas relacionadas, podendo-se mesmo afirmar que foi determinante em opções que vertebraram as suas carreiras. Casos existem de associados que assumem ter feito as suas escolhas profissionais por influência directa daquilo que foram aprendendo a fazer na AESDA ou que mais entusiasmo lhes proporcionou nas acções espeleológicas, seja em áreas técnicas como a fotografia e a topografia, ou em áreas científicas como a geologia, a arqueologia, etc.
Na verdade, as matérias científicas, muitas vezes consideradas herméticas e inexpugnáveis, são aqui colocadas ao alcance de todos poderem participar ou, ao menos, contactar de modo interactivo e com resultados. Assim, para além dos contributos efectivos para a ciência e para o conhecimento, a AESDA é um interface privilegiado entre produtores de ciência e sociedade geral e um fulcro para a descoberta de vocações individuais. A AESDA, não se tratando de uma entidade de investigação profissional, não se arroga a ter pretensões que se encontrem fora do alcance dos seus modestos meios, mas pretende avolumar um legado científico de qualidade melhorada a cada passo, que não deixe todo o esforço dos associados votado ao esquecimento. Por esse motivo, é apanágio da AESDA levar a sério o imperativo de publicar os trabalhos desenvolvidos, mesmo que nem sempre com o mesmo nível de profissionalismo e qualidade, já que estes dependem evidentemente dos meios, disponibilidade e qualificações dos autores.
Embora parte dos estudos de especialidade tenham sido sobretudo realizados por entidades externas à AESDA, o facto é que as pesquisas realizadas sob a égide desta Associação trouxeram para as luzes da ciência elementos que permaneciam totalmente ou em parte ignorados. A sua prestação é efectiva, mesmo que ocasionalmente tenha ficado remetida para os bastidores aquando da apresentação dos resultados de algumas das descobertas científicas realizadas. Tais contributos têm sempre resultado de uma curiosidade e interesse genuínos, uma sede insaciável de ver para lá do que é conhecido, estar onde ninguém esteve antes, trazer à luz do saber os segredos escondidos no mundo da escuridão perpétua… é esse o potente motor que move os associados da AESDA para pesquisar os espaços subterrâneos, num investimento pessoal e colectivo a todos os níveis. Só assim se consegue compreender o que impele alguém a passar pelos riscos de percorrer lugares desconhecidos, frequentemente em condições inóspitas e desconfortáveis, que só sabe avaliar quem por essa experiência passa.